A luz das 16:30

Quando, aos meus seis anos de idade, uma professora pediu à nossa turma para desenhar o que mais gostávamos de fazer, não pensei duas vezes: desenhei o corredor do meu prédio onde brincava com meus amigos. Na hora não soube dizer por que. Não era pelo lazer, pela brincadeira em si, pela distração ou por acaso, mas me lembro de justificar dizendo que o Sol entrava pela janela e coloria o corredor. Eu falava com a professora: “sabe, quando o sol entra e você fica no cantinho, brincando?”.

Um momento que me confortava. Não existia desenho ou palavras que traduzissem aquele sentimento. O lápis de cera laranja não era suficiente. E ainda não foi!

Vinícius Steinbach

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Uma história de Vicente - 16.3

CONTRIBUIÇÃO ANÔNIMA:

Albuquerque passou no concurso para Prefeitura de Juiz de Fora em 1983, três anos após formar-se em Jornalismo. Certa vez, tomando uma cerveja no Bar do Bigode com um amigo da faculdade, foi indagado com uma rispidez vinda na carona da mistura entre intimidade e álcool “vai trabalhar pros milicos, porra?!”, “Não! Vou trabalhar pra melhorar esse país de merda.” Levantou e foi embora, mas aquilo ficou. Durante meses a pergunta do amigo martelava seu sono e visitava seu dia. Albuquerque ponderava, buscando se justificar, “quem é meu patrão, os milicos ou o Brasil?”. Tinha dificuldade até para conjugar o verbo da pergunta.
Albuquerque era plenamente contra a ditadura e chegou a participar de reuniões clandestinas na faculdade, mas era filho único de uma mãe doente com um medo na vida: “só não deixa eles te pegarem, meu filho”, ela pedia todo dia quando ele saía de casa.
Nunca mais frequentou as reuniões, mas também não se resignava em sua condição de censurado e perseguido. Ele acreditava no Brasil, amava seu país e pensava “um dia esses caras vão embora, daqui a pouco”. E Albuquerque estava certo: os milicos foram seus patrões apenas dois anos, quando assumiu Sarney, “também não gosto desse cara, em 88 a gente elege aquele barbudo lá do ABC”. Enganou-se: as eleições foram em 89 e o barbudo perdeu. Ficou triste, “mas não faz mal, agora eu tenho um patrão eleito”, ele pensou.

sábado, 16 de julho de 2011

Uma história de Vicente - 16.2

Albuquerque gostava de pão de queijo, mas sempre pedia "um pão na chapa, sem amassar e uma média clarinha", para o café da manhã. Não gostava de acordar cedo, mas não conseguia dormir até tarde. Quando completou quarenta anos, sentiu que havia em suas costas muitas horas de sono negadas pela falta de cortina ou simplesmente porque seu corpo as furtou, biologicamente.

Embora fosse funcionário público, seu lirismo era farto e beirava a imensidão do atlântico, metafórica e geograficamente, de uns anos pra cá. Em verdade, chegava a se irritar quando viam antagonismo entre sua profissão e sua profissão. Poeta funcionário público ou funcionário público poeta: funcionário poeta público.

Sobre o funcionalismo público, Albuquerque dizia que é preciso ser nobre para ocupar um cargo nobre e que “funcionário público que não trabalha é igual policial corrupto”. Do carimbador do protocolo geral ao diplomata da carreira mais louvável, ele acreditava que o funcionário público era o elo entre a sociedade e o Estado, que deveria designar deveres e assegurar os direitos dos seus cidadãos, de forma justa. Isso não era trivial.

Estranho, mas Albuquerque já nascera com uma biografia maior que a de Vicente...

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Uma História de Vicente 16.1

..e foi nesse momento em que o pêndulo da vida de Vicente começava a voltar para a realidade. Meio termo entre os dois mundos. Saiu do transe em que o mar e os barcos lhe mergulharam.

Este entre-momentos potencializa as experiências e nos faz crescer/entender certas naturezas. É quando a arte se faz potente: entre a inspiração e a criação. Motivação. Para quem consome é o onde a obra se faz presente e você se reconhece nela. No instante em que a pedra nem sobe e nem desce. Intervalo.

Para Vicente esse espaço de trabalho era: virar as costas para o mar.

Na ponta do cais viu um buteco, com pôsteres do Botafogo e um relógio com o sagrado coração de Jesus. Entrou ainda sem passar para a realidade. Pediu um café.

- Ainda surpreso não é? – veio uma voz grave da outra extremidade do balcão

- Ainda - respondeu Vicente.

Começou a conversar com aquele homem de barbas grisalhas, simpático e amargo na mesma medida. Descobriu, ali, o amigo Albuquerque. De coração, precisava de algo novo pra acalmar.

Albuquerque orgulhava-se de ser funcionário público, poeta e mineiro, igual a Drummond.

E Vicente, orgulhava-se de ter encontrado uma amizade, em um dos tão esperados intervalos.