A luz das 16:30

Quando, aos meus seis anos de idade, uma professora pediu à nossa turma para desenhar o que mais gostávamos de fazer, não pensei duas vezes: desenhei o corredor do meu prédio onde brincava com meus amigos. Na hora não soube dizer por que. Não era pelo lazer, pela brincadeira em si, pela distração ou por acaso, mas me lembro de justificar dizendo que o Sol entrava pela janela e coloria o corredor. Eu falava com a professora: “sabe, quando o sol entra e você fica no cantinho, brincando?”.

Um momento que me confortava. Não existia desenho ou palavras que traduzissem aquele sentimento. O lápis de cera laranja não era suficiente. E ainda não foi!

Vinícius Steinbach

sábado, 29 de janeiro de 2011

Uma História de Vicente - 9

Era o segundo pão com manteiga da manhã. O primeiro foi em casa e agora na padaria:

-... e um pingado por favor.

Vicente não gostava muito dali, mas era perto de casa. Pensou bem, ouvindo a conversa da atendente com um rapaz. Ela reclamava da vida, mas continuava parada atrás daquele balcão. Desse jeito ela assumia toda a culpa pela situação. Reclamar é fácil.

Ligou para a redação e pediu um tempo antes do almoço. Sim, porque não? Caixa, Obrigado, R$2,50, calçada, sinal vermelho, espera, carros, sinal verde, passos, moças, cachorro, prédio, porteiro, Voltei, Sr. Vicente, números dos andares, porta de casa, vista da janela, confuso, papel, caneta, café frio, O que? Jornal, escrever, felicidade, mar, morte, peixe, infância, infelicidade, surpresa, BARCO!

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Uma história de Vicente - 8

Foi encontrado ontem, por companheiros de trabalho, o corpo de um pescador na área de pesca da Praia do Caboclo, zona oeste da cidade. Segundo informações passadas pela polícia militar, a vítima apresentava um aprofundamento de crânio – provável causa da morte. Ainda não se sabe se a morte foi acidental ou provocada. A polícia civil investiga o caso.

O pescador era conhecido como PESQUISAR. Não se sabe ainda a real identidade da vítima, que aparentava ter entre 30 e 35 anos. Segundo depoimentos dos pescadores locais, PESQUISAR havia instalado seu posto no local a menos de seis meses. Ainda pelos relatos, aparentemente a vítima não possuía desafetos. De acordo com o delegado de homicídios da polícia civil, Leonardo Baeta, a hipótese de homicídio não está descartada já que as investigações ainda estão no início.

Depois de apurar, sentado de dentro do barco do pescador morto, Vicente observava o caminhar das atividades. Além dos curiosos de costume, o que mais lhe chamava a atenção eram alguns companheiros de pesca que paravam, tiravam o chapéu e faziam uma pequena oração perto do corpo. Sinal da cruz e vida que segue.

Seguiu um pouco fora do seu rumo para Vicente. Além do efeito da moldura vazada havia também a ligação com esse caso. Em todo caso: vida que segue...

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Uma história de Vicente - 7.2

Esses anos divididos entre a página policial e a coluna de crônicas, entre o real e o abstrato, a loucura e a lucidez, a verdade e o rock inglês, fez da rotina de Vicente um pêndulo de relógio entre a tristeza e a felicidade. Numa dessas teria que cobrir a morte de um pescador, num bairro de costa da pequena grande cidade. Pequena porque ele já havia entendido sua lógica, mas gigante para um recém chegado. Pescador! Agora sim Vicente não sabia explicar o que sentia. Foi como se a bola batesse na trave aos 47 do segundo do tempo. Ninguém consegue explicar essa sensação para ambos os lados. Quando a bola bate na trave, parece que voltamos no tempo e os deuses do futebol nos dizem “Viram como tudo pode mudar”.

Era assim que ele se sentia. Vendo de perto os barcos pintados de azul e branco, o barulho do mar, barco que vem barco que vai, o cheiro das algas e o discurso rudimentar dos companheiros do morto lhe fizeram pegar sua moldura vazada e concluir: eu queria ser pescador!

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Uma história de Vicente - 7.1

O processo de criação para Vicente era como uma moldura vazada pela qual ele enquadrava o cotidiano. Nunca fez do amor sua profissão, mas o ofício de escrever o obrigava a olhar para a poesia da vida com olhares técnicos. Mentira, isso era apenas o que constava nos dizeres de seu juramento como jornalista. Durante todos os anos de sua vida profissional ele deu graças a Deus (sim, ele acreditava em Deus) por conseguir dar vazão ao que sentia quando via a beleza que o dia-a-dia lhe mostrava. Conseguiu materializar esse sentimento numa coluna para o jornal local durante vários carnavais (inclusive na própria quarta-feira de cinzas, quando discorria sobre os pierots e colombinas do passado). Tudo bem que nem sempre era tudo bem, mas, a cada banho tomado com o sabonete que lhe fazia lembrar a infância, Vicente sorria e queria ir logo passar o café, que já estava fervendo...

CONTINUA...